Quando esconder vira rotina: Autismo em meninas e a camuflagem silenciosa

Desde cedo, muitas meninas autistas não se reconhecem como “diferentes” porque aprendem que “ser normal” é uma exigência. E, para sobreviver nesse cenário social, desenvolvem uma série de estratégias que escondem seus sinais de autismo. É essa camuflagem que torna o diagnóstico difícil, o sofrimento grande e, às vezes, invisível para familiares e para quem vive essa realidade.
No Brasil, cada vez mais especialistas alertam para um fenômeno silencioso que atinge meninas e mulheres no espectro do autismo: a chamada camuflagem social, um conjunto de estratégias usadas para esconder características do transtorno e se adaptar às expectativas dos outros.
Em vez de apresentarem os sinais clássicos descritos nos manuais diagnósticos — baseados, em sua maioria, em estudos com meninos — muitas meninas aprendem desde cedo a observar, copiar comportamentos, ensaiar conversas e forçar contato visual para parecerem “normais”. Esse esforço pode enganar professores, médicos e familiares, resultando em diagnósticos equivocados, como depressão, transtornos de ansiedade ou TDAH, ou em anos sem qualquer suporte adequado.
A pediatra Dra. Fernanda Lago, que se dedica ao estudo do autismo feminino, explica em seus conteúdos que essas meninas não deixam de ser autistas: apenas mascaram seus traços para evitar julgamento, exclusão ou bullying. Segundo ela, a camuflagem se manifesta em atitudes como suprimir interesses intensos, reprimir movimentos repetitivos e adaptar gestos e falas às expectativas do ambiente. “Essa adaptação não é gratuita. Ela exige um gasto emocional enorme e traz consequências sérias para a saúde mental”, observa a especialista.
Pesquisas internacionais reforçam esse alerta. Estudos de grupos como o da Universidade de Cambridge apontam que níveis mais altos de mascaramento se associam a maior risco de ansiedade e depressão. No Brasil, dados indicam que mulheres são diagnosticadas muito mais tarde do que homens, o que amplia a sensação de inadequação, exaustão e isolamento. Especialistas salientam que a combinação entre normas de gênero e critérios diagnósticos historicamente masculinos cria um cenário em que meninas camuflam mais — e sofrem mais.
O impacto não se limita ao desgaste emocional. Sem diagnóstico, meninas e mulheres ficam sem suporte, terapia ou compreensão, aumentando o risco de depressão grave e pensamentos suicidas. Revisões científicas indicam taxas mais elevadas de ideação e tentativas de suicídio em pessoas com autismo, sobretudo quando convivem com transtornos mentais não tratados. Para a Dra. Fernanda Lago, reconhecer esses sinais e adaptar os instrumentos diagnósticos é um passo essencial para que o cuidado seja mais humano e eficaz.
Quando o transtorno é identificado, mesmo na vida adulta, muitas mulheres relatam alívio por finalmente entenderem suas dificuldades. A partir daí, passam a buscar terapias adequadas, reduzem esforços de camuflagem e melhoram sua qualidade de vida. O diagnóstico pode ser um divisor de águas para diminuir ansiedade, depressão e riscos graves. Tornar visível essa realidade é fundamental para que profissionais e familiares não interpretem comportamentos camuflados apenas como timidez ou perfeccionismo. Ao iluminar esse fenômeno silencioso, o debate público ajuda a reduzir o sofrimento de meninas e mulheres que, até hoje, acreditam que precisam esconder quem são para serem aceitas.
Para mais informações, a especialista compartilha conteúdos educativos em seu perfil: https://www.instagram.com/dra_fernanda_lago?igsh=MTQ2OHNjbTd3cG96bw==
(Fotos: Divulgação)