Uma cidade jovem e moderna, a Belo Horizonte planejada pelo urbanista Aarão Reis no fim do século XIX nasceu como a caçula entre as capitais do sudeste brasileiro. Hoje, com cerca de 2,3 milhões de habitantes, a metrópole enfrenta uma série de questões habitacionais e escancara um atraso quando o assunto é abraçar novas técnicas de revitalização. Um exemplo prático é o método do ‘Retrofit’, que tem sido utilizado principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro para reestruturar os centros urbanos. Mas, afinal, o que é retrofit e o que impede a capital mineira de explorar a técnica que já é tendência em suas vizinhas?
Segundo o arquiteto e urbanista, Alexandre Nagazawa, fundador da BLOC Arquitetura Imobiliária, o termo em inglês nada mais é do que o processo de restaurar prédios antigos de forma a preservar a arquitetura original, oferecendo novos usos e funcionalidades através da atualização tecnológica e legislativa. Em Belo Horizonte, o retrofit é principalmente associado aos debates envolvendo o reaproveitamento de estruturas abandonadas no centro da cidade. Essa pequena palavra, inclusive, tornou-se promessa política durante as campanhas municipais de 2024. Dado que, de acordo com o Censo de 2022, mais de 108 mil domicílios se encontram desocupados ou abandonados em BH. Número infinitamente superior à população em situação de rua, por exemplo, estimada em 5,3 mil pela Prefeitura Municipal.
Nagazawa explica que o potencial do retrofit para Belo Horizonte é “enorme”. Isso porque, especialmente na região dentro da Avenida do Contorno, por ser marcadamente adensada e verticalizada, a destruição de grandes imóveis, além de cara, requer um elevado esforço de demolição e implica em embates com vários moradores e vizinhanças. Em paralelo, o crescimento exponencial de outras regiões do município também modificou a dinâmica do centro, aumentando os índices de vacância. “Hoje a cidade está pulverizada, o que gerou um policentrismo e, consequentemente, junto com as mudanças de comportamento pós-pandemia, diminuiu a demanda por espaços comerciais no hipercentro. Assim, passou a existir uma desproporção de prédios antigos vazios que precisam ser modernizados e adaptados aos usos contemporâneos”, explica o especialista.
Em linhas gerais, para erguer um edifício do zero, Alexandre Nagazawa estima que o custo apenas da estrutura arquitetônica represente por volta de 30% do total da obra. Isto é, a opção pelo retrofit pode significar, inicialmente, uma economia notável. Contudo, o arquiteto ressalta que a exploração da técnica requer estudos cuidadosos, uma vez que lidar com prédios antigos significa lidar com muitas surpresas. “Não é porque um prédio está em pé, que ele está íntegro. As obras de retrofit têm muitos imprevistos. Então, às vezes, uma estrutura pode apresentar patologias construtivas, entre outros desafios que encarecem a obra”, reitera.
Onde os desafios encontram refúgio
Especialistas do mercado imobiliário defendem ainda que, nesta história de construção e reconstrução, a própria legislação local se tornou um obstáculo. Para André Campos, vice-presidente da Emccamp Residencial, empresa que atua há 47 anos no mercado da construção civil de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, existe uma diferença marcante nas restrições da capital mineira para o desenvolvimento urbano.
André explica que o impacto da legislação arcaica é evidente no custo final dos imóveis. A ineficiência no aproveitamento do terreno, decorrente de códigos de obras desatualizados, reflete diretamente no preço das unidades habitacionais, que fica mais caro e dificulta a população a concretizar o sonho da casa própria. “As restrições impostas pelas leis de Belo Horizonte, muitas vezes replicadas nas demais cidades pelo interior, estão moldando um cenário que não apenas dificulta o desenvolvimento urbano, mas também encarece a habitação e limita a qualidade de vida dos belo-horizontinos”, afirma.
A empresa, que investe há décadas em megaprojetos habitacionais, observou nos últimos anos uma expansão de seus trabalhos onde a lei é mais favorável, como em algumas cidades da Região Metropolitana de BH, além de intensificar os lançamentos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em Minas, a empresa escolheu Pedro Leopoldo, a 38 km da capital mineira, para seu mais novo investimento: o Veredas do Ouro. O loteamento, recém-anunciado pela empresa e que contempla 354 lotes, irá gerar negócios na ordem de R$ 70 milhões.
Outra explicação para as complicações no contexto das construções populares de Belo Horizonte se dá por motivos jurídicos. Ainda de acordo com o urbanista Alexandre Nagazawa, muitos prédios no hipercentro da capital mineira não possuem um único proprietário, o que inviabiliza o retrofit não só para moradias populares, mas também para qualquer incorporação normal. “No sentido de reformar prédios abandonados para novos negócios imobiliários, um grande desafio é o fato de que, muitas vezes, em um único edifício, existem centenas de donos, pulverizados em massas falidas e inventários. Regularizar e negociar as aquisições de todas as unidades pulverizadas para dar início a um retrofit pode ser quase impossível”, explica o arquiteto.
É mais fácil destruir?
Na capital onde grande parte do acervo da comissão construtora já não resiste mais, Nagazawa defende ainda que existe uma verdadeira cultura de desrespeito à essência da cidade. Isto é, apesar de ser um município jovem, Belo Horizonte já passou por diversas reformas e, consequentemente, por substituições do patrimônio arquitetônico. “Podemos dizer que as pessoas estão muito acostumadas com a beleza do novo e, principalmente, com arquiteturas que não consideram a história do local onde vivem. Em BH perdemos grande parte do acervo da Comissão Construtora, rica em seu Ecletismo, o Art Decó, Modernismo e até mesmo do rico Pós-Modernismo. Outro ponto é a própria questão da sustentabilidade, que acredito ser um valor que falta na população. É muito fácil dizer que as edificações antigas da cidade são belas, mas passar a valorizá-las é um trabalho de educação de todos e deve ser um projeto de estado, por justamente se tratar da economia de recursos naturais e principalmente da preservação de traços importantes da nossa cultura”, completa o arquiteto.
Hoje, através do retrofit e de outras metodologias sustentáveis, construtoras buscam outras formas de fazer negócios e consequentemente uma transformação positiva das cidades onde atuam. Um exemplo dessa prática é o Grupo EPO, que opera há 32 anos nesse mercado em Belo Horizonte. Segundo Guilherme Santos, diretor de Incorporação do grupo, essa forma diferente de pensar empreendimentos arquitetônicos trata-se de não se restringir a projetos internos, mas, especialmente, considerar o entorno. “Buscamos inovar para melhorar a vida. Por meio de boas políticas públicas, uma arquitetura pensada para o bem-estar e uma empresa que tem essa preocupação, voltada para a urgência de mudar a forma de ocupar os espaços, é possível melhorar as cidades.”, explica.
Sob a assinatura de Alexandre Nagazawa, o Grupo EPO lançou nesse ano o maior projeto de retrofit da capital mineira, o Espaço 356, um living center na saída de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro. O espaço, anteriormente ocupado por motéis, se tornou uma referência para a superação do conservadorismo na arquitetura de Minas Gerais. “Na minha visão, projetos inovadores e que olham com prudência para a sustentabilidade apresentam uma oportunidade histórica para a indústria da construção deixar de ser vista como uma vilã e passar a ser enxergada como a solução”, afirma Guilherme Santos.