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Belo Horizonte recebe o espetáculo “Fio do meio/Vertigem”, dirigido pelo coreógrafo 

Um dos mais importantes criadores e pesquisadores do país, na área de artes cênicas, assina a dramaturgia e direção do espetáculo que integra o projeto Brasil Sem Ponto Final, em circulação por 11 capitais brasileiras. Paulo Emílio Azevedo está de volta a Belo Horizonte com seu "Corpo político que dança".

Nos dias 30 de novembro, 1º e 2 de dezembro, quinta a sábado, a Cia Gente (RJ), dirigida por Paulo Emílio Azevedo, chega ao Memorial Minas Gerais Vale (Praça da Liberdade) com programação gratuita composta por uma oficina e ainda apresentações de espetáculo desenvolvido em dois atos: “Fio do Meio” – vencedor do prêmio FUNARTE de Circulação em Dança -, seguido de “Vertigem” que, este ano, representou o país no Festival D’Avignon (França). Os trabalhos formam o 2° ato do projeto “Brasil sem Ponto Final”, patrocinado pelo Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, Ministério da Cultura e Governo Federal União e Reconstrução, coordenado pela Zuza Zapata Arte e Produção.

“Belo Horizonte é a única cidade da região Sudeste a receber o ato n°2 do projeto Brasil sem Ponto Final”, conta Paulo Emílio Azevedo, que tem uma história antiga com a capital mineira. “O primeiro curso de ações urbanas que ministrei, intitulado “O Anarquitetônico”, foi em BH, em 2003″, conta. Depois, o artista voltou outras vezes e estabeleceu laços com a cidade, como a amizade com Pederneiras do “Corpo”. “Pedro Brum, um dos intérpretes do espetáculo Fio do Meio/Vertigem, também mora em BH, atualmente.  Motivos não me faltam para voltar sempre”, afirma.

Durante três dias, quem passar pelo Memorial Minas Gerais pode participar da oficina Corpo-Memória ou assistir ao espetáculo “Fio do Meio/Vertigem” – ato n°2. Em cena, uma caixa de giz, uma caixa de som e três corpos que, segundo Paulo, não cabem dentro de “caixa” alguma. “Nosso trabalho transborda e, por isso, não se ajusta em lugar algum. Quero dizer, desobedece e pode ser adaptado a qualquer espaço. São histórias de personagens urbanas, narrativas abertas para o público fazer suas próprias leituras”, conta.

Há 10 anos trabalhando com os intérpretes Pedro Brum, Zulu Gregório e Salasar Júnior, a orientação do coreógrafo é que além de todas as provocações que geram, não deixem de se divertir em cena. “Repetir pelo simples fato de cumprir uma agenda é chato para a ‘Gente’. Cada arquitetura, a cada cidade visitada, vai possibilitar uma dinâmica e isso não pode ser ignorado. Claro que temos um roteiro. Mas esses intérpretes possuem qualidades suficientes para chegarem num espaço distinto e aproveitarem seu potencial criativo e fazer com que cada apresentação seja única. O que posso dizer é que começa dentro do Memorial, mas só consigo saber de tudo que posso explorar, quando lá estiver”, adianta.

“Fio do Meio” parte do movimento de esbarrar. A partir dele, observa e provoca uma via de mão dupla: a capacidade de mover corpos e, desse mover, abrir espaços de conversação. Com a proposição de ativar a rua como lugar criativo e democrático, sua arquitetura e seu diálogo com as pessoas, o trabalho extrapola a noção de margem e reconfigura outras relações de geocorporeidade, reterritorializando os usos da cidade. De acordo com Paulo, os ‘arteiros’ produzem repetições oriundas de gestos do urbano para dar visibilidade a tantos outros corpos negados, “miopizados” e varridos socialmente. “No processo de criação, voltei à pesquisa de mestrado que tenho com adolescentes em conflito com a lei e passei a pensar como seria a ideia do esbarrão para eles que esbarram na lei, na justiça, na polícia, na cor da pele”, pontua.

Já “Vertigem”, traz um diálogo intenso e ininterrupto mediado pelos corpos dos intérpretes, cuja proposta expõe a borda, o ruído (também o silêncio), a corda bamba, a respiração ofegante e a embriaguez do gesto. Desnudado e cru, o movimento funciona como uma “labirintite cênica”, guiado por atmosfera que não almeja o controle, ao contrário, despreza-o e o desloca em busca do risco. “Começou de um experimento na pandemia, dentro de uma garagem. E a transmissão bombou na internet, sendo reconhecido por curadores como um dos melhores trabalhos da Cia Gente. Mesmo com todas as interferências sonoras durante a gravação, cachorro, barulho de carro, avião, fomos aprovados em diversos editais e festivais, inclusive na França”.

Em ambos os trabalhos, Paulo Emílio Azevedo aplica sua metodologia denominada “4D”, cujos lados apontam para Desequilíbrio, Desobediência, Deformação e Desconstrução – o “Quadrilátero” desenvolvido por Paulo para sublinhar “O corpo político que dança”, conceito criado por ele, desde a década de 1990, e que se confunde com sua trajetória pessoal. Nascido na ex-vila de pescadores Macaé (RJ), o arteiro e professor, que não frequentou academias de dança ou teatro, vindo da educação e da antropologia, ainda muito jovem sofre um acidente de carro que o deixa dois anos sem andar. “Nesta época, passo a utilizar meu corpo como laboratório artaudiano. Tudo que trabalho hoje do ponto de vista criativo e pedagógico, vem de marcos narrativos da minha biografia. A metodologia nasceu das limitações físicas e até aqui a organizei em três ciclos criativos: a queda, o desequilíbrio e a pausa”, explica.

De 1999 a 2011, Paulo inicia o ciclo da queda ao vivenciar o corpo em cena com pessoas que vinham das escolas públicas de seu município natal, sem quaisquer experiências artísticas, e de outras que apresentavam algum tipo de limitação ou deficiência. Assim foi investigando o movimento dos corpos em queda livre que nasce a “queda”. “As narrativas dos meus trabalhos são baseadas em histórias reais. Há 30 anos, eu já falava em protagonismo e evitava o termo “inclusão” (muito em voga hoje em dia). A inclusão é uma falácia, eu já achava que tinha algum problema com esse nome, mas não tinha certeza do porquê exatamente. Apenas entendia como sendo pouco e que deveria passar por uma questão estética: potencializar estéticas limitantes para produzir uma estética protagonista”, contextualiza. 

Com pouca ou nenhuma estrutura e recurso naquela época, Paulo seguiu mergulhando cada vez mais, de forma pioneira, na pesquisa do movimento “com públicos que ninguém queria trabalhar”: em situação de rua, pessoas em sistema carcerário, com deficiências, oriundas das culturas urbanas e periféricas etc. Segundo o criador, a proposta era dar material para que as pessoas transformassem algo em suas vidas. O que seria um suposto ‘problema’, se tornasse potência”, explica. De 2011 a 2020, em seu 2° ciclo, Paulo investiga o Desequilíbrio, pesquisando o mesmo em múltiplas faces; desde o aspecto físico ao moral, e, assim funda a “Estética do Desequilíbrio”. O espetáculo “Vertigem”, foi a última obra a ser composta neste ciclo, durante a pandemia. Já em 2021, ele dá início ao terceiro ciclo criativo denominado “Pausa”, que vai originar seu mais recente espetáculo “Vírgula” – o ato n°1 de “Brasil sem Ponto final”, também em circulação pelo país. 

“Sempre vi potência nas pessoas. A intenção desde o início nunca foi ‘salvá-las’. Eu me vi foi mobilizado por essas histórias e entendi que essas pessoas tinham por trás outra história para contar e não a que contavam sobre elas. Romper com o estigma e devolver a voz para que essas pessoas pudessem virar a página da própria história, assim como fiz com a minha”, comenta.

Oficina Corpo e Memória

O projeto traz ainda uma preocupação pedagógica na troca de experiências e culturas com o público belo-horizontino: a oficina “Corpo-Memória”, ministrada pelo professor Paulo Emílio Azevedo, com assistência de Pedro Brum. De curta duração, o encontro propõe, por meio das representações do gesto, da palavra e do movimento, o uso do corpo e da voz como estratégias narrativas, tendo como protagonismo as respectivas biografias dos participantes. 

“Quando falo da história do corpo político, no uso da cidade, e aí vem o título corpo memória, penso que essa cidade não está pronta nunca. Pode ser que eu passe na Praça da Liberdade todos os dias. Mas ao ver um corpo em cena neste espaço, essa praça talvez ganhe diferentes significados para mim. Tem hora que a gente atravessa a rua e tem hora que a rua nos atravessa. Essa via de mão dupla é um pouco dessa produção de registro de memória. Dessa ressignificação do pertencimento, que recria a história do sujeito com a cidade. A rua é o espaço genuíno da diversidade, é o espaço que a gente tem que se esbarrar para chegar no outro lado, que a gente se encontra. Em vez de tirar da rua, precisamos é ocupá-la. Isso traz a ideia de uma cidade criativa, bela, acessível, segura e para todos em seu desenho universal” diz.

E, portanto, segundo Paulo, a oficina não pretende ser uma experiência exclusiva pra quem já dança ou faz teatro, “é também para elas, como para qualquer pessoa que queira dispor de duas ferozes gramáticas de comunicação: corpo e voz. Logo, não há  a pretensão de levar uma técnica para que as pessoas tenham que alcançar algo. São estímulos dados que se transformam em possibilidade criativa. Não é uma oficina de dança, mas que pode se tornar dança ou outro texto corporal”, diz.

SERVIÇO

30/11 e 02/02 – quinta, às 19h, e sábado, às 11h

Espetáculo: “Vertigem/Fio do Meio” – ato n°2

Local: Memorial Minas Gerais Vale (Oficina Sala de Leitura) – Praça da Liberdade, 640, esquina com Rua Gonçalves Dias – Belo Horizonte, Minas Gerais/MG

Duração: 50 minutos

Na apresentação de sábado haverá duas ações além do espetáculo: antes da sessão, um resultado expositivo dos alunos da oficina “Corpo-memória” e após a mesma, um bate-papo com a direção e os intérpretes sobre o projeto e história da companhia, sendo esta realizada no auditório do Memorial

30/11 e 01/12 (quinta e sexta-feira) – 10 às 12h

Oficina Corpo e Memória

Local: Memorial Minas Gerais Vale (Oficina Sala de Leitura) – Praça da Liberdade, 640, esquina com Rua Gonçalves Dias – Belo Horizonte, Minas Gerais/MG

Classificação: 18

Horário: 10 às 12h

Vagas: 30

Ingresso: gratuito

Duração: 240 minutos

Informações: (31) 3308-4000

Inscrições: link na bio do Instagram @cia.gente

A oficina, de curta duração, propõe, por meio das representações do gesto, da palavra e do movimento, o uso do corpo e da voz como estratégias narrativas, tendo como protagonismo as respectivas biografias dos participantes. Para isso se utiliza da descrição textual, imagética, das atmosferas rítmicas, das cores, dos afetos e, sobretudo, das aberturas que podem ser suscitadas das experiências interpessoais. Experiências costuradas pela presença de um corpo político, um corpo criança, um corpo gente. Pode ser realizada em espaços tradicionais (como salas, estúdios), também palcos e ou espaços abertos.

SOBRE PAULO EMÍLIO AZEVEDO

Paulo Azevedo, é Professor, Pós Doutor em Políticas Sociais e Doutor em Ciências Sociais com especialização em Antropologia do Corpo e Cartografia da Palavra. Criador no campo das artes cênicas, dramaturgo, escritor e consultor na área de Educação e Cultura, cuja pesquisa tem por objetivo refletir sobre outras formas de comunicação aos diversos protagonismos e redes de sociabilidade na sociedade contemporânea. Seu trabalho aparece bem ilustrado pelo processo criativo, conceitual e de gestão; onde tal experiência destaca a capacidade de unir teoria e prática como lugares de conversação, cabendo sublinhar as ações que se desdobram no espaço urbano, na capacitação de estudantes e educadores, na formação de intérpretes/performers/atores e nos trabalhos realizados diretamente com o público juvenil. Recebeu diversos prêmios, entre eles “FOCA” através da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro (2011); “Prêmio FUNARJ de Dança” (2021); “Rumos Educação, Cultura e Arte” (2008/10) através do Instituto Itaú Cultural. Participou como coreógrafo convidado no Festival D’Avignon (2023), bem como palestrante na FLIP Paraty/RJ (2017). Em seguida, integrou o grupo de escritores na Printemps Littéraire Brésilien/Paris Sorbonne Université e, em 2018 representou o país na Journée d’Etudes Cultures, arts et littératures périphériques dans les Amériques: une approche transnationale de la production, la circulation et la r éception em Lyon (França). Quatro conceitos atravessam sua metodologia de trabalho, aquilo que ele denominou de 4D: desequilíbrio, desobediência, desconstrução e deformação. Fundador da Cia Gente (2012) e mentor da Fundação PAZ, plataforma virtual responsável por preservar, difundir e registrar sua propriedade intelectual. Tem 21 livros publicados.

Saiba mais em @cia.gente https://fundacaopaz.com

Leo Junior

Bacharel em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário UNA, graduado em Marketing pela Unopar e pós graduado em Marketing e Negócios Locais e com MBA em Marketing Estratégico Digital, é um apaixonado por futebol e comunicação além de ser Jornalista certificado pelo Ministério do Trabalho.

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