A nova advocacia trabalhista: quando defender o trabalhador é também sustentar a saúde mental do país

No Brasil do burnout e do assédio institucionalizado, cresce a procura por advogados que entendem o sofrimento psíquico como parte da luta por dignidade. A atuação jurídica de Juliane Garcia de Moraes revela o papel ético e político da nova advocacia trabalhista
O esgotamento emocional virou epidemia nos ambientes de trabalho. Em empresas que valorizam produtividade a qualquer custo, não são raros os relatos de metas inatingíveis, jornadas prolongadas, assédio moral silencioso e controle excessivo — especialmente em setores como o bancário. Mas quando o adoecimento deixa de ser apenas um problema de saúde e se torna um caso jurídico, quem sustenta o trabalhador?
Para a advogada Juliane Garcia de Moraes, especializada em Direito do Trabalho e saúde mental ocupacional, a resposta está em uma nova advocacia: mais estratégica, mais humana e essencialmente política.
“Não estamos mais falando apenas de direitos violados, mas de vidas em colapso. Defender um trabalhador adoecido não é só entrar com uma ação: é amparar, reconstruir, dar nome ao que foi invisibilizado pela empresa — e muitas vezes pelo próprio sistema”, afirma.
A fala de Juliane ecoa a crescente demanda por suporte jurídico diante do adoecimento coletivo. Segundo o INSS, foram registrados mais de 288 mil afastamentos em 2023 por transtornos mentais e comportamentais. Desses, a maior parte está ligada ao CID F32 (episódios depressivos) e F41 (transtornos ansiosos), condições comumente associadas ao ambiente de trabalho.
No setor bancário, o quadro é alarmante. Relatório da Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) apontou que em 2023, 62% dos bancários relataram sintomas de ansiedade ou depressão, e 41% afirmaram ter sofrido algum tipo de assédio no ambiente de trabalho.
Os dados reforçam o que já é evidente na rotina de quem atua na linha de frente: o trabalho, como está estruturado hoje, está adoecendo em silêncio.
O reconhecimento jurídico do sofrimento psíquico
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou a classificação internacional de doenças, reconhecendo oficialmente o burnout como uma síndrome ocupacional. No Brasil, essa mudança abriu espaço para que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os tribunais regionais passassem a admitir com mais frequência o nexo causal entre a atividade laboral e os transtornos psíquicos, desde que comprovado por meio de laudos médicos e elementos objetivos, como metas excessivas, testemunhos e falta de suporte organizacional.
“A CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) pode ser emitida para casos de burnout ou depressão diretamente ligados ao ambiente de trabalho. Isso gera estabilidade provisória e pode resultar em reintegração, indenização por danos morais e reconhecimento de responsabilidade civil da empresa”, explica Juliane.
Em 2023, a 3ª Turma do TST determinou a reintegração de um trabalhador com depressão grave que havia sido dispensado sem justa causa durante o afastamento. O caso foi emblemático por estabelecer que a estabilidade de quem sofre de transtornos mentais pode ser equiparada à de quem sofre acidentes físicos de trabalho, desde que comprovado o nexo.
Quando advogar é também resistir
Juliane defende que a advocacia trabalhista contemporânea precisa ampliar seu papel e assumir-se como guardiã da dignidade humana. Em um país com quase 40 milhões de pessoas vivendo com algum transtorno mental, segundo a OMS, e onde o trabalho é uma das principais causas de sofrimento psíquico, o advogado se torna, muitas vezes, o primeiro ponto de acolhimento real.
“Advogar, hoje, é resistir à desumanização. É dar ferramentas legais para que um trabalhador tenha voz, reconhecimento e justiça diante de estruturas que adoecem e descartam”, diz.
“Quando recebo um bancário afastado por ansiedade, que perdeu o rumo da vida e ainda se culpa por não ‘dar conta’, meu trabalho é provar — para ele, para a empresa e para o Judiciário — que o problema não é fraqueza. O problema é o sistema.”
Para além dos processos, Juliane também atua em orientações preventivas e consultorias jurídicas voltadas ao compliance emocional em empresas. Sua visão é clara: é preciso intervir antes que o colapso aconteça — e quando ele acontece, garantir que a reparação vá além do papel.
Agosto: advocacia como compromisso com o humano
Agosto marca o mês da advocacia no Brasil — e em um cenário como este, a profissão precisa resgatar sua vocação original: ser voz dos que não têm voz, amparo para os vulneráveis e escudo contra o adoecimento invisível que se tornou rotina.
A atuação de advogadas como Juliane mostra que o Direito do Trabalho continua vivo — mas agora com um novo propósito:
“Nosso compromisso é com a vida. Com a saúde, com a possibilidade de continuar trabalhando sem se destruir por dentro. Isso é mais do que justiça: é resistência.”