Espetáculo “Corpo Mostra Cultura”, retrata autoconhecimento, escolhas e consequências, ancestralidade, ritualização, valorização da história dos mais velhos, nostalgia, determinação e memórias da infância.
Uma das solistas é uma paciente oncológica e encontrou na residência e na criação desse espetáculo maior motivação para superar e vencer dia a dia os efeitos da doença
Mulheres apresentam o espetáculo “Corpo Mostra Cultura” no Teatro Marília, localizado na Avenida Professor Alfredo Balena, 586, capital mineira, na próxima terça-feira, dia 18 de março, às 20h. Composto por seis obras solos, o espetáculo/mostra retrata, ao mesmo tempo, autoconhecimento, escolhas e consequências, ancestralidade, ritualização, valorização da história dos mais velhos, nostalgia, determinação e memórias da infância. Tudo isso de uma forma leve, sublime ao mesmo tempo tão forte, que impacta e prende o público.
A entrada é gratuita e os ingressos estão disponíveis no https://bileto.sympla.com.br/event/103465 a partir de 14/03, além de poderem ser retirados no teatro a partir da mesma data até o dia 18.
As obras, que variam entre dez a quinze minutos de duração cada uma, possuem Co-Direção Coreográfica de Cyntia Reyder, que também é a Idealizadora, Diretora Geral e Professora; Guidá Ramos, Direção de Produção, Curadoria e Professora, e da Mestra Marilda Cordeiro, Proponente, Direção Artística e Professora.
O espetáculo é a finalização do projeto “CORPO MOSTRA CULTURA”, que começou em setembro de 2024, no bairro Granja de Freitas e tem, entre seus objetivos enriquecer o cenário cultural a partir de regiões menos favorecidas economicamente e também capacitar mulheres negras com habilidades técnicas, artístico/criativas e de produção, fortalecendo os trabalhos de artistas negras ampliando suas perspectivas de carreira.
Vale ressaltar ainda que o projeto colaborou para que uma das solistas passasse pelo tratamento de um câncer com mais leveza. O espetáculo “Corpo Mostra Cultura” já foi apresentado em uma Mostra, no Cras Granja de Freitas, na capital mineira, e na Escola Francisco Sales, na cidade de Capim Branco.
Os Solos
Ciclo da rosa é o ciclo da vida – O solo de Luísa Reis, estudante de Letras, na Universidade Federal de Minas Gerais, retrata o ciclo da vida e o conjunto de transformações que os seres vivos passam. Esse ciclo tem início com o nascimento e termina com a morte, porém o período entre essas duas etapas é repleto de “altos e baixos”, de uma constante busca de respostas, e muitas vezes, de hábitos em que uma pessoa não consegue se desvencilhar.
Ao som da música Cotidiano, de Chico Buarque, a solista representa uma pessoa que faz as mesmas coisas todos os dias, mas com emoções diferentes, um dia com alegria, outro com raiva, tristeza, preguiça. “A repetição de comportamentos é um impulso natural e inconsciente do ser humano. No entanto, quando os ciclos se repetem muitas vezes, pode significar que a pessoa está presa em padrões de pensamento, sentimentos, comportamentos, inseguranças, entre outros, que não levarão a resultados diferentes”. Explica Luisa Reis.
Durante a apresentação, a solista relaciona o ciclo da vida humana com o ciclo de vida de uma rosa, que apesar da sua beleza, tem espinhos, seca, passa pelo momento da queda das pétalas, e mesmo parecendo que tudo acabou, se essa flor recebe carinho e cuidado ela ganha força, se renova e fica bem, iniciando um novo ciclo.
Escolhas e Consequências – A solista Evelyn Soares realiza uma performance sobre escolhas. A apresentação retrata a importância de se fazer as próprias escolhas, de modo a se obter um pouco mais de controle sobre a própria vida, moldando o próprio caminho, algo fundamental para a saúde mental e física. Adquirir esta condição é um componente essencial para a dignidade humana.
A apresentação retrata que, por muitas vezes, as pessoas vivem consequências de escolhas feitas pelos outros e não por elas mesmas. “Muitas pessoas não têm consciência de que ela mesma poderia fazer as suas próprias escolhas e se fortalecer se responsabilizando pelas consequências”, disse.
Evelyn Soares iniciou sua carreira em 2012 fazendo aulas de Ballet, sendo uma das primeiras alunas do projeto Agnes Cidadania criado pela Cia Agnes, e em seguida, se tornou bailarina da Cia. Atualmente atua como artista independente, ministrando aulas de dança para crianças e adolescentes nas escolas da regional Barreiro, local onde mora.
Resgate da infância – Nayara Alana, que atua como professora de danças folclóricas em uma Escola da rede municipal de Belo Horizonte, apresenta um espetáculo carregado de memórias, de sentimentos, locais, utilizando objetos que resgatam as lembranças que muitas pessoas guardam da infância em família.
O público sentirá aquela nostalgia da infância, quando as avós e tias lavavam as roupas nos rios e córregos que ainda tinham água limpa; das mães e tias colocando roupa para secar nos varais que ficavam espalhados pelo quintal; das crianças brincando com brinquedos confeccionados por elas mesmas. O solo tem a intenção de criar este sentimento de nostalgia. “É um momento de conforto e consolo, nesses tempos de correria e adversidade. Além de fortalecer estas relações e ajudar na resiliência emocional”, explica.
A apresentação também faz um resgate do samba. “O samba faz parte da minha família e da minha trajetória, e transmite diversos sentimentos. Ele faz a tristeza virar alegria. Essa paixão que eu tenho por esse ritmo musical foi transmitida pelas gerações passadas e são sempre memórias ligadas à diversão, alegria”, afirma.
Toque Toque – Emanuela Santos, de 24 anos, bailarina, dançarina, performance e produtora cultural, construiu uma performance, que denominou “Toque Toque”. É um trabalho que fala de quatro antepassadas dela, quatro mulheres pretas, tias Felícia e Amália, vó Isabel e mãe Patrícia, mas que representa a luta, a dedicação, o carinho e o amor de todas as mulheres pretas que construíram uma estrutura para que as meninas negras da atualidade tivessem voz e potência. “São mulheres que estão bem presentes na minha ancestralidade mais próxima, que eu gosto e acho muito importante relembrar”.
O solo mostra que a ancestralidade é um valor central na cultura africana, sendo fonte de sabedoria, identidade, pertencimento e saúde. Honrar os ancestrais e os mais velhos é reconhecer a sabedoria dos que vieram antes. Também é uma fonte de pertencimento que tece o chão, o espaço-território regido pelo tempo da natureza. “De uma forma geral, o solo fala sobre quem veio antes de nós e construiu a nossa linhagem familiar e toda nossa hereditariedade”, ressalta.
Ancestrar – Thally Vitória de 23 anos, apresenta o solo “Ancestrar”. Inspirado no livro “O Espírito da Intimidade”, de Sobonfu Somé, que fala dos ensinamentos ancestrais africanos. O solo de Thalita Vitória, 23 anos, também retrata a ancestralidade, e a solista utilizou a experiência de suas avós e bisavós, pois ela se percebe como uma extensão de seus ancestrais. Entretanto, o espetáculo ressalta ainda a importância de ritualizar a dança e entendê-la como um lugar espiritual.
A apresentação mostra que a dança pode ser ritualizada como uma prática espiritual para demonstrar um sentido para a vida terrena dos fiéis, para ser um instrumento de elevação da consciência coletiva, partindo do micro para o macro, para promover o respeito ao próximo, o carinho por si e pelo outro, e a melhora da autoestima. Além disso, a dança reforça o apoio ao pertencimento, à confiança e à segurança emocional de cada um.
Thally Vitória começou a dançar no grupo Impactto em 2014, onde passou por diversas experiências e diferentes estilos de danças. Com vasta experiência na dança, atualmente integra o coletivo multiartístico Corpos em Um e participa do Projeto Jameika.
“Quem sou eu e quem é você” – Juliana Silva aprendeu a apreciar a dança desde muito cedo e acredita que seus primeiros passos foram nos encontros de samba, por influência das rodas que frequentava junto com sua mãe quando era criança. Assim apresenta o solo de samba: “Quem sou eu e quem é você”, uma apresentação que transporta tanto a solista quanto o público para um processo de autoconhecimento.
Além disso, a apresentação cria nas pessoas um sentimento de reconhecer e interpretar as próprias características, tanto as visíveis como as ocultas. “Eu pensei muito no que eu represento para as pessoas que me cercam, mas ao mesmo tempo em como eu me vejo nelas. Então, eu fiz o exercício de perguntar para essas pessoas do meu convívio, quem eu sou para você? O que te faz lembrar de mim?”, explica.
A criação do solo também foi influenciada pelo estado de saúde de Juliana Silva. No início do ano de 2024, ela recebeu um diagnóstico de câncer de intestino, que comprometeu também o ovário e já estava no início, foi no nível 4 da doença. Acostumada a dançar no carnaval, e em outros espaços, Juliana foi obrigada, pelo médico, a ficar 60 dias sem fazer nenhum tipo de atividade física, inclusive dançar. Após esse período, a paciente oncológica encontrou motivação extra neste projeto para superar completamente a doença. “Passei a ter muitas limitações, dormência, formigamento, dor nos pés e nas mãos, além da falta de equilíbrio, que são efeitos colaterais do tratamento. Foi um período de algumas frustrações, eu tive quedas, pois não tinha equilíbrio. Porém as professoras me orientaram de forma que eu não precisasse fazer muitos movimentos, e sim contextualizar as ações fortalecendo a presença. Então eu me entendi neste processo. Elas me ensinaram a criar um solo de qualidade dentro das minhas condições atuais”, afirma.
Foi então que a aluna aprendeu a adaptar a dança à realidade do seu corpo, sem deixar de ser ela mesma, ou seja, se reconectou com o seu corpo. Ela se apresenta vestida de sambadeira”, E utiliza papéis onde estão escritos tanto as qualidades como também as características que podem ser melhoradas, que os amigos lhe retornaram. “Sou sambadeira e o samba é uma das energias que mais combinam comigo, estar “no meio do povo” um dos contextos que mais me representa. Então, a ideia é gerar uma identificação com o público, e que o mesmo perceba que tem um pouquinho deles em mim e um pouquinho de mim com eles também”.
SERVIÇO: Espetáculo “Corpo Mostra Cultura”
Data: Terça-feira, dia 18 de março.
Local: Teatro Marília, localizado na Avenida Professor Alfredo Balena, 586, Belo Horizonte
Hora: 20h.
Valor: Entrada Gratuita