Finissage: exposição Quieto no Escuro, de Rodrigo Borges na GAL
A mostra reúne uma seleção de desenhos inéditos produzidos entre 2020 e 2024 e marca o encerramento das atividades da galeria no endereço atual, localizado no bairro Sion
Para celebrar o encerramento da última exposição no seu atual espaço, a GAL tem o prazer de convidar o crítico Daniel Arelli para uma conversa com o artista Rodrigo Borges sobre sua mostra individual Quieto no Escuro. O encontro acontece sábado, 30.11 às 11h na GAL (Rua da Groenlândia 50, Sion). Daniel Arelli é poeta, crítico, tradutor e professor de estética da Escola Guignard/UEMG.
Rodrigo Borges reflete sobre a exposição: “A série Quieto no Escuro pretende dar a ver uma imagem que vem do escuro com o escuro e, assim, dizer da importância do escuro na construção do imaginário e do mundo. Esse meu interesse pelo escuro vem da abstração geométrica (especialmente Malevich), dos grafismos indígenas e de uma série de outras escuridões… Também se apresenta como uma resposta ao excesso de claridade do mundo 24/7, às telas brilhantes dos equipamentos digitais e aos desafios ecológicos que vivemos hoje.”
Ainda segundo o artista, a frase de Guimarães Rosa “Tudo o que muda vem quieto no escuro” inspirou a criação da série, que explora a lentidão e a quietude como contraponto à velocidade e à claridade excessiva do mundo contemporâneo.
Serviço
Encerramento: 30 de novembro
Horário: 11h
GAL Arte & Pesquisa fica na Rua da Groenlândia 50, Sion. BH – MG.
Informações: 31 99370 8998
Abaixo, o texto curatorial escrito pelo poeta, pesquisador e professor da Escola Guignard Daniel Arelli.
1.
O bicho quieto no escuro. O bicho dormindo, enrodilhado em si. O bicho em posições inusuais, insólitas, quase insondáveis. Se estar na presença de um flamingo, uma ema, um tamanduá-bandeira é uma experiência cada vez mais rara e controlada, o que dizer então da possibilidade de vê-los recolhidos, desarmados como árvores, em completo repouso? Por isso, a primeira reação frente aos desenhos da série Quieto no escuro, de Rodrigo Borges, talvez seja a surpresa: a surpresa por descobrir que o flamingo repousa sobre apenas uma de suas finíssimas pernas enquanto dobra a outra com inimitável elegância; que o pescoço da ema encontra um tal encaixe junto ao corpo, como um membro retrátil após o uso; que o tamanduá-bandeira repousa com o crânio disposto contra o solo, à flor de suas trepidações; que a girafa dorme sentada sobre suas próprias pernas com o pescoço inteiramente retorcido. Essa surpresa indicia a nossa crescente distância em relação à natureza “selvagem”, é claro; mas ela é também um espanto quanto aos modos de ser e de estar dos bichos vivos. Apesar de encontrarem-se em posições para nós tão improváveis, eles estão em seu estado mais natural, estado em que o corpo está mais à vontade: em repouso.
2.
A célebre e tão reiterada pergunta de Spinoza – o que pode um corpo? – poderia assim ser reformulada face a esses desenhos: o que pode um corpo em repouso? O que pode um corpo de bicho quieto no escuro?
3.
Esse espanto, no entanto, não provém apenas de nosso alheamento e ignorância em relação à vida selvagem. Ele é também resultado estético da composição rigorosa dessas imagens. A figuração monocromática, com altíssimo grau de detalhe e precisão, aproxima os desenhos do universo da ilustração científica e do fotorrealismo, revestindo-os de grande objetividade, como se fossem veículos de conhecimento (que de fato são); ao mesmo tempo, a densa construção do escuro (pois é, sim, de uma construção do escuro que se trata aqui) e a maestria na manipulação do contraste de luz e sombra destacam não apenas os bichos, mas o seu próprio aparecer. Ele se converte numa espécie de acontecimento que os desenhos capturam. Embora quietos, estáticos, em repouso, os bichos que emergem da escuridão parecem estar em processo de aparecer – de acontecer. Com isso, esses desenhos ganham um notável poder de presentificação, cujo resultado estético mais imediato e natural é o espanto. Espanto com o fato de que os bichos sejam – e sejam como são. E o fato de que sejam bichos selvagens, distantes de nós, submetidos permanentemente ao risco por habitarem o mesmo planeta do homo sapiens, confere uma força suplementar a esse espanto.
4.
De certa forma, a construção do escuro desses desenhos aciona uma questão estética muito reiterada na história da arte: como dar a ver o grau zero da visualidade, sua emergência mesma? Como dar a ver o aparecer como acontecimento? Em particular desde o Quadrado negro, de Kasimir Malevitch, de 1915, ela se tornou um problema incontornável na reflexão sobre a arte do nosso tempo. Não por acaso, a obra de Malevitch é uma das obsessões da pesquisa de Rodrigo Borges. De fato, o negro que envolve esses desenhos não é um escuro qualquer – não é um escuro chapado, estático, mera negação abstrata da luz; tampouco o negro opaco, indiferenciado, igual a si mesmo. Antes, trata-se justamente de um escuro construído, intensivo, em processo, com nervuras, poros, fendas. Um escuro cheio, não vazio. Um escuro que possa fazer ver, dar à luz. O escuro aceso da floresta.
5.
A construção do escuro presente nesses desenhos – e o denso silêncio que é a sua contraparte auditiva – possui também uma dimensão eminentemente crítica, ou ética. Trata-se da afronta direta que essas imagens representam ao sistema panóptico de hipervisualidade do contemporâneo, com suas onipresentes telas de cristais líquidos, backlights, pixels autoemissores de luz, AMOLEDs e geringonças congêneres. Os desenhos de Quieto no escuro nos convocam a uma disciplina visual radicalmente diferente, na qual a frequência de estímulos é reduzida e controlada, mas sua elaboração é tanto mais significativa e minuciosa; a visualidade nunca é gratuita, mas resultado de um processo gradual de adensamento sensível e intelectual; e o visível interage em crescente complexidade com o invisível. Aprender a olhar para esses desenhos, conviver com eles não deixa de ser, assim, um meio de ensinar os olhos a se contraporem à hiperluminosidade fóbica do presente.
6
Embora quietos, estáticos, esses bichos parecem efetivamente poder algo. Seus corpos estão em completo repouso, é verdade, mas também estão totalmente vivos. Notando bem, é quase possível ouvir sua respiração ritmada, e sentir a fina camada que os separa da vigília. Por isso, embora reine calma e silêncio nesses desenhos, o que eles transmitem não é uma forma de acomodação ou de quietismo. Ao contrário, parecem conservar em si grande volume de energia que pode se liberar a qualquer momento, com o menor estalo. Não por acaso, o carvão, material inflamável por excelência, é um de seus principais componentes. Assim, a série Quieto no escuro aproxima-se de certa tradição da representação visual que se dedica ao quase, ao imediatamente antes, à iminência imponderável do evento. Esse é o caso, por exemplo, das pinturas de Chardin que retratam gatos no instante logo anterior ao bote, prontos para saltar ou atacar – também uma referência importante para o trabalho de Rodrigo. Com isso, esses desenhos acabam por representar também no nível da figuração aquilo que eles procuram realizar no nível da forma: a emergência da imagem como acontecimento, e do acontecimento como imagem. “Tudo o que muda vem quieto no escuro, sem preparos de avisar”, como diz a sentença do Grande sertão de que foi extraído o título da série.
7.
Difícil não se lembrar dos versos de abertura de Treze maneiras de olhar para um melro, de Wallace Stevens, ao olhar para esses desenhos: “Em vinte montanhas geladas / só uma coisa se movia: / o olho do melro”. O bicho dentro e fora da paisagem, ao mesmo te